Carlos Marighella
Biografia
Um dos sete filhos do operário Augusto Marighella, imigrante italiano da
região da Emília, terra de destacados líderes
italianos, e da baiana Maria Rita do Nascimento, negra e filha de escravos
africanos trazidos do Sudão (negros hauçás), nasceu na capital baiana, residindo na Rua do Desterro 9, Baixa do Sapateiro, onde concluiu o
seu curso primário e o secundário e, em 1934 abandonou o curso de Engenharia Civil da Escola Politécnica da Bahia
para ingressar no PCB). Tornou-se então, militante profissional do partido e se mudou para o Rio de Janeiro, trabalhando na reorganização do PCB.
Conheceu a prisão pela primeira vez em 1932, após escrever um poema
contendo críticas ao interventor Juracy Magalhães. Libertado, prosseguiria na
militância política, interrompendo os estudos universitários no terceiro ano, em
1932, quando deslocou-se para o Rio de Janeiro.
Em 1º de maio de 1936, durante a ditadura na Era Vargas, foi preso
por subversão e torturado pela polícia de Filinto Müller. Permaneceu
encarcerado por um ano. Foi solto pela “macedada” (nome da medida que libertou
os presos políticos sem condenação). Ao sair da prisão entrou para a
clandestinidade, até ser recapturado, em 1939. Novamente foi torturado e ficou na prisão até 1945, quando foi beneficiado com a anistia pelo processo de redemocratização
do país.
Elegeu-se deputado federal constituinte pelo PCB baiano em 1946. Nesse período teve um breve relacionamento com Elza Sento Sé, operária
da Light, com quem acabou tendo um filho, Carlos
Augusto Marighella, nascido a 22 de maio de 1948 no Rio de
Janeiro. Neste mesmo ano Marighella voltou a perder o mandato, em virtude da
nova proscrição do partido. Voltou para a clandestinidade e ocupou
diversos cargos na direção partidária. Convidado pelo Comitê Central, passou os
anos de 1953 e 1954 na China, a fim de conhecer de perto a recente Revolução Chinesa. Em maio de 1964, após o golpe militar, foi baleado e preso por agentes do DOPS dentro de um cinema, no Rio. Libertado em 1965 por decisão judicial, no ano seguinte optou pela luta armada contra a
ditadura, escrevendo A Crise Brasileira. Em dezembro de 1966, renunciou à Comissão
Executiva Nacional do PCB. Em agosto de 1967, participou da I Conferência da OLAS (Organização Latino-Americana de Solidariedade), realizada em Havana, Cuba, a despeito da orientação
contrária do PCB. Aproveitando a estada em Havana, redigiu Algumas questões sobre a guerrilha no Brasil, dedicado à memória do comandante Che Guevara e tornado
público pelo Jornal do Brasil em 5 de setembro de 1968. Foi expulso do partido em
1967 e em fevereiro de 1968 fundou o grupo armado Ação Libertadora
Nacional. Em setembro de 1969, a ALN participou do
sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick, em uma
ação conjunta com o Movimento
Revolucionário 8 de Outubro (MR-8).
Com o recrudescimento do regime militar, os órgãos de repressão
concentraram esforços em sua captura. Na noite de 4 de novembro de 1969
Marighella foi surpreendido por uma emboscada na alameda Casa Branca, na
capital paulista. Ele foi morto a tiros por agentes do DOPS, em uma ação
coordenada pelo delegado Sérgio Paranhos
Fleury. A ALN continuou em atividade até o ano de 1974. O sucessor de Marighella no comando da ALN foi Joaquim Câmara
Ferreira, que também foi morto por Fleury no ano seguinte. Os militantes mais
atuantes em São Paulo eram Yuri
Xavier Ferreira, Ana
Maria Nacinovic, Marco
Antonio Valmont e Gian Mercer que continuaram fazendo panfletagem contra a ditadura até meados de
1972, quando também foram mortos numa emboscada no bairro da Mooca, ao saírem
do restaurante Varela. Dezoito de seus militantes foram mortos e cinco foram
considerados desaparecidos. O último líder da ALN foi Carlos
Eugênio Sarmento da Paz, que sobreviveu
autoexilando-se na França, voltando ao Brasil após a anistia.
Carlos Marighella
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Nascimento
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Morte
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4 de novembro de 1969 (57 anos)
São Paulo, Brasil |
Nacionalidade
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Ocupação
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político, revolucionário, poeta
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Morte
Em uma emboscada preparada contra Marighella,
foram detidos Tito e seus amigos de convento (exceto Frei Oswaldo). Frei
Fernando foi obrigado a combinar um encontro com Marighella. Eles tinham um
código que auxiliou na emboscada: "Aqui é o Ernesto, vou à gráfica
hoje". O encontro foi marcado na Alameda Casa Branca, uma rua próxima ao
centro da cidade de São Paulo.
No dia do encontro, havia uma caminhonete com policiais e um automóvel,
com supostos namorados (onde Fleury disfarçou-se), além do fusca com Fernando e
Ivo.
Ao chegar na Alameda, às 20h00, dirigiu-se ao Fusca e entrou na parte
traseira. Frei Ives e Fernando saíram rapidamente do carro e se jogaram no
chão. Percebendo a emboscada, imediatamente reagiu à prisão e foi morto.
Marighella seguiu as normas de seu manual. Portava um revólver e levava duas
cápsulas de cianureto.
Além de Marighella, outras três pessoas foram atingidas durante o
tiroteio:
- Estela Borges Morato, investigadora do DOPS que simulou namorar Fleury, morta no tiroteio.
- Friederich Adolf Rohmann, protético que passava pelo local, morto no tiroteio.
- Rubens Tucunduva, delegado envolvido na emboscada, que ficou ferido gravemente no tiroteio.
Pedra instalada na Alameda Casa Branca em homenagem a Marighella, morto
nas imediações. A placa frontal foi arrancada
Anistia póstuma
Em 1996, o Ministério da Justiça reconheceu a responsabilidade do Estado pela sua morte; em 7 de março de 2008 foi decidido que sua companheira Clara Charf deveria receber pensão vitalícia do governo brasileiro apesar da família de
Marighella não ter solicitado reparação econômica, apenas o reconhecimento da
perseguição ao militante.
Em 2012, o ministro da Justiça, José
Eduardo Cardozo, oficializou a anistia post mortem de Marighella.
PORTARIA
N 2.780, DE 8 DE NOVEMBRO DE 2012
O
MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA, no uso de suas atribuições legais, com fulcro
no artigo 10 da Lei nº 10.559, de 13 de novembro de 2002, publicada no Diário
Oficial de 14 de novembro de 2002 e considerando o resultado do julgamento
proferido pela Comissão de Anistia na 6ª Sessão de Julgamento da Caravana de
Anistia, na cidade de Salvador / BA, realizada no dia 05 de dezembro de 2011,
no Requerimento de Anistia nº 2011.01.70225, resolve: Declarar CARLOS
MARIGHELLA filho de MARIA RITA DO NASCIMENTO MARIGHELLA, anistiado político
"post mortem", nos termos do artigo 1º, inciso I, da Lei nº 10.559,
de 13 de novembro de 2002.
JOSÉ
EDUARDO CARDOZO
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Escritos
Poesias
Marighella escrevia poesias e, aos 21 anos, durante as aulas de
engenharia divertia professores e colegas fazendo provas em verso. Da mesma
forma, compôs em versos ataques ao interventor baiano Juracy Magalhães, fato que lhe valeu sua primeira
prisão, seguida de tortura, em 1932. Ainda na prisão, desta feita em 1939, ele compôs
o poema "Liberdade"
"(...)E
que eu por ti, se torturado for,
possa feliz,
indiferente à dor,
morrer
sorrindo a murmurar teu nome.".
Sua obra poética está reunida no livro Rondó da Liberdade.
Minimanual do Guerrilheiro
Urbano
Uma das mais divulgadas obras de Marighella, O Minimanual do Guerrilheiro Urbano foi escrito em 1969, para servir de orientação
aos movimentos revolucionários. Circulou em versões mimeografadas e fotocopiadas, algumas
diferentes entre si, sem que se possa apontar qual é a original. Nesta obra,
detalhou táticas de guerrilha urbana a serem empregadas nas lutas contra
governos ditatoriais. Nos anos 80, a CIA – Central Inteligence Agency, dos Estados Unidos, fez
traduções em inglês e espanhol para distribuir entre os serviços de
inteligência do mundo inteiro e para servir como material didático na Escola
das Américas, por ela mantida, no Panamá.
A crise brasileira
Trabalho teórico no qual analisa a conjuntura nacional a partir da
estrutura de classes do Brasil e critica o PCB por resguardar-se de qualquer
atividade consequente, acomodado na ideia de um processo eleitoral limpo, e, ao
mesmo tempo, refratário ao divórcio da burguesia.
Algumas questões sobre a
guerrilha no Brasil
Outros escritos políticos
Alguns escritos políticos de Marighella, embora redigidos por ele em
português, ganharam primeiro uma edição
em outra língua, devido à censura imposta a obras do gênero pelo regime militar
brasileiro. É o caso de Pela Libertação do Brasil, que, em 1970, ganhou
uma versão na França financiada por intelectuais marxistas.
Estão disponíveis em português: Alguns Aspectos da Renda da Terra no
Brasil (1958), Algumas Questões Sobre
as Guerrilhas no Brasil (1967) e Chamamento ao Povo
Brasileiro (1968).
Bibliografia
- BETTO, Frei. Batismo de Sangue: Guerrilha e Morte de Carlos Marighella. 14ª ed. rev. e ampliada. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.
- JOSÉ, Emiliano. Carlos Marighella - O Inimigo Número Um Da Ditadura Militar. São Paulo: Editora Casa Amarela, 264 p.
- MAGALHÃES, Mário. Marighella: O guerrilheiro que incendiou o mundo.1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
- NÓVOA, Cristiane; NÓVOA, Jorge. Carlos Marighela: o homem por trás do mito. São Paulo: Editora UNESP, 1999. 560 p.
- REZENDE, Claudinei Cássio de. Suicídio Revolucionário: a luta armada e a herança da quimérica revolução em etapas. São Paulo: editora Unesp (Cultura Acadêmica), 2010.
- TEIXEIRA, Edson. Carlos: a face oculta de Marighela. Vassouras: 1991. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Severino Sombra.
Filmografia
Nos passos de Carlos Marighella
Lançado
em livro um perfil do guerrilheiro e poeta que incendiou o mundo
Três homens com dois revólveres e uma metralhadora entram numa agência bancária que naquele 1º de julho de 1968 ficava entre a avenida Angélica e a alameda Barros, em Santa Cecília, em São Paulo. "Quem sair leva bala!", grita o chefe da operação, engrossando a voz. Aterrorizada, uma cliente chora e é consolada por outro dos assaltantes: "Não está acontecendo nada". Do caixa retiram o que corresponderia hoje a R$ 124 mil. Saem sem dar tiro.
O chefe da operação é Carlos Marighella (1911-1969), comunista graduado com mais de três décadas de atuação política, poeta bissexto e agora líder da Ação Libertadora Nacional, maior grupo armado de oposição à ditadura, que assalta bancos e trens pagadores como parte da estratégia para fazer a revolução. Quem lhe sugerira aquela exata agência, de poucos funcionários e conhecido horário de entrega de dinheiro, foi um amigo bem instalado no capitalismo: sócio de corretora de valores de sucesso, treina judô num edifício ao lado.
A revolução não vai acontecer e em um ano Marighella cairá, como se dizia no jargão da militância. Até lá, o noticiário já o terá transformado num brasileiro maldito. Tão maldito que, mesmo depois de quatro décadas de sua morte, há quem tema dizer seu nome mesmo em democracia plena, temor que no mais das vezes surge por ignorância, não por ideologia. À tarefa de contar em pormenores essa história proscrita se lançou o jornalista Mário Magalhães, sem temer a colossal trabalheira que isso lhe daria. Levou nove anos para fazer um livro que, como adverte, não se trata de hagiografia a favor ou libelo contra o protagonista; o que tentou foi narrar sua vida sem julgá-lo. E nessa reportagem exaustiva, na qual grandes e miúdos personagens se revezam em encontros, traições, prisões, fugas, espionagem e disfarce, acaba por abarcar meio século de história política brasileira.
O catatau faz valer. As mais de 700 páginas de Marighella - O Guerrilheiro Que Incendiou o Mundo são lidas sem cansaço. A dificuldade do leitor, se não for afeito ao tema, será talvez a de manter o ritmo veloz ao acompanhar acontecimentos que enquadram a travessia longa: revoluções russa e cubana, getulismo e Intentona Comunista, Estado Novo e golpe civil-militar de 1964, Segunda Guerra, campanhas por redemocratização.
Quem é Marighella no meio desse redemoinho? Um mulato baiano, filho de operário italiano com dona de casa descendente de escravos. Desde os tempos de ginásio, revela-se poeta de versos ora líricos, ora satíricos. A fama de valente, embora não fosse brigão, cresce na mesma medida que a de sedutor, de um tipo que não fumava nem bebia, muito menos sabia dançar. Ainda jovenzinho, é cativado por ideias de justiça social que identifica no marxismo e o levam a se tornar freguês da carceragem e deputado constituinte e guerrilheiro. Afável, às vezes estoura. Quando as denúncias contra Stálin feitas por Kruschev - o regime stalinista se revelou em prisões, torturas e assassinatos, antissemitismo e culto à personalidade - levam muitos dos seus confrades do PCB a se afastar do comunismo, seu mundo quase vem abaixo - tamanho homem chora na frente dos camaradas.
Logo se refaz do estupor, posicionando-se ao lado da Cuba de Fidel Castro. E, quando aos militantes se recomendava isolamento monástico, mantém-se em atividade febril. Vai preferir morrer dando tiro a ter de voltar para a prisão e ser outra vez torturado. Se desperta rejeição em seu país por roubar banco, desperta simpatia internacional como autor do Manual do Guerrilheiro Urbano, obra que inspirará movimentos de resistência e contestação nas décadas de 1960 e 1970.
Por que nove anos - cinco em dedicação exclusiva ao livro? "Quase tudo foi muito difícil de encontrar, para desvendar os fatos reais sob as aparências das versões, tanto dos detratores quanto dos partidários de Marighella. Por um lado, certa história oficial quis apagar os rastros dele da história do Brasil. Por outro, Marighella passou quase toda a sua vida adulta escondendo as pegadas, porque era uma questão de sobrevivência." O leitor se surpreenderá com tantas minúcias recolhidas - se não estava na cena, o biógrafo buscou seus vestígios em outros lugares. Um exemplo: o dia e a hora em que, nos anos 1930, Marighella entrou no mictório público do largo do Arouche foram encontrados no relatório do espião policial que o acompanhou até lá. A busca nos arquivos foi apenas parte dessa aventura histórico-investigativa. A outra foi ouvir gente que conviveu com Marighella, da professora de inglês no Ginásio da Bahia, em fins da década de 1920, ao policial da equipe que o baleou e prendeu no cinema em 1964.
O que pode parecer um transtorno - o tempo da gestação, de nove anos em vez de nove meses - ajudou a cumprir seu intento, como explica o autor. Interlocutores tinham motivos vários para querer evitá-lo: repressores temiam a revelação de crimes, perseguidos receavam expor a memória. Insistiu. E foi assim que, depois de tentar de 2003 a 2011, ouviu de policiais que estiveram na tocaia que assassinou seu biografado os pormenores - sobretudo o fato de ele estar desarmado. Nem todas as revelações envolviam dor. Clara Charf, companheira de Marighella, resistiu anos até lhe dizer como tinha sido o primeiro beijo trocado: numa romântica caminhada dos dois pelo Rio, na década de 1940. Poucos relatos, como explica o biógrafo, deram a dimensão da barbárie como o do empresário francês Jacques Breyton, militante da Resistência Francesa que esteve preso em Montluc, prisão administrada por Klaus Barbie, conhecido como "Carniceiro de Lyon". Nas mãos da equipe do delegado Sergio Paranhos Fleury, Breyton relata que sofreu muito mais do que na dos nazistas.
Marighella é "hoje objeto de desinteligência apaixonada, o que confirma que o personagem sobreviveu à morte física", define seu biógrafo. Um clipe dos Racionais MC´s sobre o guerrilheiro virou fenômeno midiático, com milhões de exibições no YouTube. A dimensão da presença de Marighella se pode notar numa comparação com outro líder de esquerda, morto mais de duas décadas depois. Luiz Carlos Prestes (1898-1990), que se inclui entre os grandes protagonistas políticos do Brasil do século XX, é "de algum modo uma figura do passado", observa. Um homem para quem "o conformismo é a morte" tinha vocação para mártir? Seu biógrafo discorda: "Marighella tinha vocação para viver, amava a vida, viveu intensamente".
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