O habeas-corpus do torturador Ustra
Por Pedro Estevam Serrano, na revista CartaCapital:
Ainda agora vejo na web notícias de que foi concedido habeas-corpus em
favor do coronel Carlos Brilhante Ustra, acusado de participar da
prática de torturas e outros delitos na época da ditadura, para que este
possa se abster de prestar depoimento e responder a questões perante a
Comissão da Verdade.
Não há como formular posição jurídica quanto à ordem concedida apenas
pelo pouco noticiado até o momento que escrevo este texto, mas é de se
estranhar à primeira vista tal concessão judicial. O fato é que do
trabalho da Comissão da Verdade não decorrerão processos crimes que
possam restringir a liberdade de ninguém.
O direito a ficar calado tem todo o sentido quanti implique em admissão
de crimes, ou seja, quando se realiza como forma de proteção a
liberdade.
Como é sabido, decisão do STF já determinou que pessoa alguma, dentre os
torturadores da época, poderá sofrer sanção penal, por terem sido
anistiados.
A própria legislação que criou a Comissão da Verdade veda que suas conclusões e informações sejam usadas para processos crimes.
Nada mais pretende a Comissão que estabelecer a verdade dos fatos históricos do período.
Ustra comparece na condição necessária de mera testemunha que jamais
poderá ser posta como réu por conta de seus relatos relativos ao
período. Logo, a medida de proteção à sua liberdade não se justifica
aparentemente e em rápida vista, pois essa não poderá ser afetada.
Independentemente da dimensão jurídica da questão, entretanto, é certo
que no plano político a concessão da ordem protetiva é um grande atraso
para nosso amadurecimento democrático.
É direito da sociedade brasileira conhecer os fatos históricos do
período, conhecer a história relevante inclusive para que fatos nefastos
não se repitam futuramente.
A Comissão da Verdade é o instrumento criado legalmente para realização
desta investigação e pesquisa fática. Se como sociedade não lhe
oferecermos instrumentos eficazes para tanto correremos o risco real de,
no futuro, termos de conviver com mais um período violento e
obscurantista em nossa história.
Como ordem judicial o habeas corpus deve ser obedecido e respeitado, mas, no plano político, ao menos, merece todas as críticas.
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